quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A Besta. III. Lilith

Esta noite mandarei abrir todos os portões e partir os vidros das janelas, para que venhas, então, mais cedo.
Os archotes suspensos da penumbra, dos tectos altos, escoltar-te-ão por estes corredores húmidos até ao teu salão favorito, das lareiras. Bruxuleantes e esfaimadas, como tu. E desde cedo no dia que nada lhes foi recusado para que depois te aqueçam, submissas.
A Côrte deixou também estas muralhas, para que à ceia nenhuma conversa abafe o teu rilhar dos ossos ou o escorrer dos vinhos na tua garganta de veludo, azul.
Sons que embalam o sono no meu leito, aqui, que te aguardo no breve alívio dos músculos rasgados do clangor das lâminas e das cicatrizes.
Vem então, ao verdadeiro repasto, àquele em que pensavas enquanto lambias dos dedos o recheio das perdizes. Levarás enfim o sangue que me resta. Mas sempre o soube e por isso recebe-o, se te o dou.
Não me acordes. No torpor do sono perdi as minha únicas batalhas, mas mesmo essas já viram todos os seus dias.

Amanhã, no frio dos dias do Inverno do Inferno, arrasarei este castelo, convocarei todos os demónios e hecatombes, todas as bestas e tempestades, e com a fúria dos anjos não sobrará pedra sobre pedra sobre a terra. Nem mais fio deste véu, que pintaste com os tons do paraíso quando, viva, eras Rainha.

9 comentários:

DarkViolet disse...

As muralhas iram derreter com o sopro das fogueiras, esteja o cego pendurado na forca ou a navalha no corrimão da pele...Antes do Inverno, o Outono terá que passar...

Klatuu o embuçado disse...

Gosto do ulta-romantismo da tua prosa, crias umas atmosferas simbolicamente envolventes - e coerentes.

Abraço.

Klatuu o embuçado disse...

P. S. Para quando um post teu n'O Bar do Ossian?

Fata Morgana disse...

Aquilo que escreves é muito para lá de belo... excruciante, dói imensamente em mim que leio.

Darkest kiss

Gotik Raal disse...

DarkViolet,
Bem Vinda à Katedraal, de
Gotik Raal

Klatuu,
A coerência é obsessiva, como uma demência, mas também é parte da vida própria deste espaço. Sou isto, quando aqui estou.
Quanto ao Bar do Ossian, a forma como o vosso espaço cresce ainda é mais do que conseguria acompanhar. Mas lá irei. Obrigado pelo atenção, Klatuu, e estas escusas são mesmo só a roda a girar a mais do que vista alcança.

Abraço,
Gotik Raal

Morgana la Folle,
Obrigado, também. Excruciante é uma bela palavra e agrada-me que a escrevas nestas paredes. Quanto à dor, não escrevo para doer - mas também não escrevo para não doer. A verdade é que quando o faço, estranhamente, a emoção está ausente. Mas vem depois, insidiosa, com as leituras.

Beijo,
Gotik Raal.

Gotik Raal disse...

DarkViolet,
É Bem-Vindo, como deve ser.
Desculpe este embaraço, Sir.

Gotik Raal

Leto of the Crows - Carina Portugal disse...

"...não sobrará pedra sobre pedra sobre a terra."

Com tais palavras, que estremecem vitrais só dos deuses perfeitos na imperfeição, não sobrará com certeza.
Uma leitura muito envolvente, diga-se de passagem ^^

Um abraço!*

R. disse...

Cada um fala do amor à sua maneira.e a tua é ...*

Um beijo,Lord Gotik ;)

Gotik Raal disse...

Leto,
Sim, as palavras têm um força física que é real. E essa é talvez uma das poucas verdades intemporais, e das mais camaleónicas, também. E, já agora, omnipresente; embora nem sempre associada aos mais nobres ideais: as palavras também podem ter a força da vulgaridade. Há, no entanto, que contar sempre com elas.

Abraço!
Gotik Raal

Vertigo,
Tens razão. Esta história fala de Amor, sim - do amor de Gotik Raal.
Aquilo que não disseste, nas tuas reticências, atiçou a minha curiosidade: fiquei a pensar se o texto te teria transmitido uma impressão indefinida, ou pelo contrário, uma outra bem concreta mas que guardaste para ti... Em qualquer caso,

Um beijo,
Gotik Raal