Eram como dois pequenos demónios. Na verdade apenas uma carapaça vazia. Um dragão anão de duas cabeças, as irmãs; de uma semelhança inacreditável, apesar de todo o seu esforço. E contudo as diferenças eram ínfimas, apesar do estrebucho e do ruído enjoativo e ensurdecedor que provocavam, de lava morna, à sua volta.
Deslocavam-se ao nível do ânus do mundo. E assim não perdoavam ao mundo o seu próprio tamanho.
No entanto há algo de verdadeiramente terrível, nesse inverter de dimensões em que os seres crescem de forma transversal e assim se condenam a um rastejar eterno. De uma forma transversal. É que da terra nascem as raízes das árvores, se erguem os pilares das catedrais, e todo o esforço de vida se faz no sentido do céu.
Assim as duas irmãs, como todas as outras cobras ou restos de pele podre de escamas abandonada, tinham aquela visão distorcida dos vidros de aumento, em que tudo se agiganta no centro e perde a nitidez e o sentido nos círculos periféricos. Mas por isso mesmo se esqueciam de que os centros vivem das periferias. Isto o esqueciam apenas no espírito pois que os seus corpos se alimentavam de tudo o que de viçoso crescia à sua volta.
Era um dragão ridículo de duas cabeças, as irmãs, sem entranhas, apenas feito do vazio do frio, do tempo que nunca conheceu as estações. Um frio sem sentido, um vazio sem espaço para crescer. E contudo existiam, proliferando no alcance do seu embuste, as irmãs.
E eu mingava para as fazer crescer, hirto, no nojo de pisar a bosta do seu ser a cada passo.
domingo, 10 de maio de 2009
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9 comentários:
Rastejar junto aos alicerces do que se agiganta é perigoso, tanto para o que é sustido, como para quem o pode destruir. Se os alicerces apodrecerem tudo pode ruir, e cair-lhes em cima.
Há quanto tempo ^^ Já tinha saudades destes pequenos e fantásticos textos.
Beijinhos!
Olá Leto!
As tuas leituras permanecem afiadas, muito bem. Daqui vou, por isso mesmo, aos teus escritos - e também já lhes sinto a falta.
O tempo. Sim, passou algum - um pouco mais do que esperava. Mas ainda assim aqui o tempo corre devagar, e o regresso é sempre certo.
Beijinhos, também!
Gotik
Deixei um selo ao teu blog nas Ameias, só para avisar ^^
**
Tudo absolutamente perfeito... ...
até me esqueci do
Kisss... :)
Witch,
És sempre bem vinda,
...com ou sem Kisss :)
Gotik
"Deslocavam-se ao nível do ânus do mundo. E assim não perdoavam ao mundo o seu próprio tamanho."
:)
Não posso comentar este texto... Por isso pego neste frase, retiro-a do contexto que não posso comentar, e digo-te:
Infelizmente é este o nível mais comum, e o teu anão de duas cabeças é igual a uma boa porção da gente que para aí anda e nem sabe que vegeta tão baixo.
Não ser assim, parecido com esse anão, é a certeza de, um dia, ter como terminal uma das "muitas moradas da casa do Pai" que estará bem longe dessas terras pantanosas. É no final que cada um encontra o espelho e nele se vê. Nessa altura os que riam hão-de ranger os dentes, ao ver-se.
Não sei o que acontece aos que apontam, como tu (e eu, também). Mas tenho a certeza de que a imagem no espelho não há-de surpreender-nos.
Excelente texto!!!!!!!!!! :)
Dark kiss (e vê se não desapareces outra vez!)
Só mesmo os pequenos de alma são capazes de deslocar-se ao nível do anus do mundo imputando culpa ao alheio por sua condição.Quando se culpa o mundo ou a sociedade ficamos libertos de ética ou consciência moral : nós criamos os deuses e os demônios que quisermos para justificar os nossos erros.
Beijo grande.
PS: Talvez meu comentário esteja confuso. Acredite, estou há bastante tempo parada aqui em teu blogue. Estou sempre ralhando com a Morgana porque quando começo a me entrosar com os textos dela, ela some. Agora o mesmo aconteceu contigo: quando fico muito tempo sem ler uma pessoa, tenho dificuldade para comentar.
Olá Morgana de Gore,
Não comentando o texto, ainda assim é certo que o leste bem. E eu percebo que não o comentes, pois tem muito de pessoal, ou melhor, de experiência pessoal. E mais também não direi.
As "muitas moradas da casa do Pai", sabes... entendo bem o que me dizes e a tinta nas minhas mãos pede-me que vá mais longe ainda; mas depois acho que nesse dia vamos ver coisas de maravilha, terríveis e terrivelmente belas, boas, de fazer engolir a língua à míngua de palavras.
Enquanto esse futuro não chega temos de ir levando os dias com o juízo possível: percebendo que a essa luz pouco mais somos, nós mesmos, uns dias ... e, noutros dias, escorraçar essa corja a pontapé e palavras afiadas como lâminas.
Um beijo sombrio,
e quanto às ausências, hão-de acontecer mais por força de outras demandas, decerto, mas ainda assim, por mim sinto que estou sempre aqui.
+
Olá Bat Trash,
Parece-me lúcido o teu comentário, como sempre aliás!
Embora te diga de que esta raça de que falo só cria deuses. Menores. E todos à sua imagem. Porque quando essa imagem se for, é o vazio - o seu único demónio. Já presente.
Um beijo grande, também.
E sabes, neste meu mundo o tempo passa mais lento, as ausências são forçosamente mais longas, à dimensão da perna, da espada e dos cascos dos cavalos.
Só agora vi os teus escritos no meu "Prologue" e aqui te deixo a resposta: "Estou, sim!"
Gotik Raal
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