A barca imobilizou-se às portas do grande deserto branco. "Sois chegado ao vosso destino."
Do véu de neblina, que espalhava o silêncio das águas geladas àquelas primeiras horas, emergiu o dorso de uma baleia azul e o barqueiro disse: "Eis o vosso guia."
Depois, juntos varremos as ondas sem rasto ou espuma, os vertiginosos e oceânicos abismos, as rochas negras de azul e, por fim, o labirinto de fiordes que se abriu ao vasto manto polar. Sobre o gelo, dois ursos brancos, e a baleia disse: "Eis a vossa guarda."
E então juntos caminhámos para Norte, seguindo o trilho aberto pelas nuvens, a elite dos exércitos boreais no cume do mundo, para lá do alcance da mais poderosa das bestas.
"Este é o vosso rei", disseram os ursos às donzelas e eu segui-as; três raposas do Árctico num rasto de sangue de leões marinhos, por três dias e três noites em que o Sol nunca se pôs.
E quando de novo olhei o céu já não o vi. Nem céu nem alto, ou algo ao seu redor. Nem gelo no horizonte ou sob os pés. Nem pés nem corpo ou espada no meu punho. Em tudo, apenas, o mesmo branco neve longe ou perto, nem sombra de miragem ou deserto, nem deste que aqui estou, envolto neste manto sem o ver.
Apenas esta consciência: de não ser mais que ser eu, que não se apaga.
5 comentários:
Célere escorre o sentido de visões bruscas, a reencontrarem estios nas pedras.Reafirma-se,ajusta-se.
Magnetikiss;)
Magnetikmoon,
Ou o gelo perene. Como a alma.
Beijo,
Gotik Raal
Para tudo se percorre um longo caminho. E, quando pensamos que este nunca acabará, damos conta de que já se finalizou, por vezes mesmo sem sentirmos o aproximar desse final.
Adoro realmente a forma como escreves, magnifico ^^
Beijinhos!
Viajei contigo.
Um beijo grande,sim?
*
Leto of the Crows,
Talvez porque o final, se o apercebemos, é afinal uma passagem. E talvez haja sempre uma nova passagem. Quando era (muito) mais novo, muitas vezes era assaltado por este pensamento ao atravessar uma estrada. "Fui atropelado por aquela carruagem e há um mundo onde o meu corpo ficou estendido; e eu estou já num outro espaço onde eu e o meu corpo continuamos e tudo foi só um pensamento." Claro que na altura era uma coisa crua, sem literacias, mas acho que a essência era esta.
Obrigado e continua a escrever, tu também, pois o teu caminho é bonito.
Beijinhos,
Vertigo,
Ah, viajar! Pudesse eu ir mais e mais longe do que os meus alforges me deixam... mas as letras, os números, os livros, as pinturas, as construções (as Catedrais) têm essa capacidade de nos levar e, sabes, acho que essas viagens são no mínimo tão reais e quantas vezes mais intensas do que as outras. E o Mundo, hoje tão pequeno e ainda assim tão imenso e inexpugnável. Sempre um chamamento. Um constante wish :)
Então um beijo grande.
Gotik Raal
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