quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"En ma Fin gît mon Commencement"

Descansa. O corte no teu peito não é assim tão fundo. O coração está ainda à guarda das costelas.
A morte passou ao largo, desta vez; e vai já longe, indiferente ao teu rasto de sangue.
Não te deixes dominar pelo medo. Aquilo que tu és, realmente, e embora ignorante, é intocável.
Devias levantar tenda e seguir viagem, neste instante, ainda que o teu corpo não te possa seguir. Mas no momento em que partires serás apenas o teu íntimo - e desse modo saberás quão grande és, agora que livre da carne.
Não te distraias, não podes. Não deixes, dessa forma, que todas as manhãs do mundo te interrompam a noite, que é só tua.
O caminho que escolheres será O caminho, ainda que apenas o teu. Nada se pode opor a quem tem o sangue frio de ver no seu reflexo o seu maior assombro.
Agora que subiste ao púlpito da tua consciência, descobriste em toda a assembleia não mais do que a face contraída dos teus anseios.
Deste a volta ao mundo e no fim disseste - enquanto, num gesto de incomensurável graciosidade, descobrias à lâmina o teu pescoço de infinita elegância: "No meu fim está o meu princípio."



(Gotik Raal sobre sons de Michael Nyman, Hilary Summers, "If")

10 comentários:

Goldmundo disse...

Este texto é belíssimo.

Saudações

Gotik Raal disse...

Obrigado, Goldmundo.

Este texto foi nascido da lucidez de uma taça de vinho, e de um daqueles acasos que parecem predestinados...

Um Abraço,
Gotik Raal

bat_thrash disse...

Vinho Dão pra que tem o dom. Belíssimo...sublime...tim tim!

sentinela

Bat Kiss.

Frankie disse...

A minha visita a este espaço já estava "programada" há algum tempo mas ainda não tinha sido concretizada porque sabia que, quando o fizesse, precisaria de tempo... Tempo para vaguear e me perder por cá...

Hoje, tenho-o. Por isso vim e vi que não me tinha enganado...

As tuas palavras inebriam...

Um beijo*



PS: Este texto é simplesmente soberbo.

Gotik Raal disse...

Bat Trash,

Um brinde, então. E vamos entornar um pedaço também sobre estes velhos tampos, tingir as távolas com o néctar dos Deuses!

Beijo,
(E Gotik Raal agradece o caminho, entretanto retribuído. Fecha-se o círculo.)

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Frankie,

Bem-Vinda à Katedraal, leva o tempo que quiseres.
E fico contente, claro, de com as minhas palavras retribuir o prazer que me deram os pergaminhos das tuas próprias terras.

Um beijo,
Gotik Raal

R. disse...

Que grande mensagem esta,e quão bela tu a tornaste.Ler isto foi uma viagem que fiz em mim mesma.Muito obrigado,Gotik!

E um beijo,claro.

bat_thrash disse...

Agora que me dei conta do atalho. Agradeço-te também. Normalmente linko as pessoas silenciosamente para facilitar minha ida e volta. Quem retribui, tudo bem e o mesmo para quem não o faz.

Bat Kiss.

Gotik Raal disse...

Vertigo,

Acredita que este texto, em particular, foi também para mim uma viagem; no total desconhecimento do destino. Por isso falei ao Goldmundo em acaso predestinado: uma frase que se foi adensado, insidiosa, e que por fim não me deixou outro remédio que não o de descobrir de onde vinha. E então tomou conta de tudo.
Obrigado eu pela tuas viagens nas terras de Gotik Raal.

Um beijo,

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Bat Trash,

Entendo. Mas acredita que os meus caminhos seguem apenas o chamamento das palavras. Como uma forquilha de água.
E a poesia é como a água, como as pedras brancas do sal. Sofre-se na sua ausência.

Um beijo,
Gotik Raal

Leto of the Crows - Carina Portugal disse...

Lindo, como sempre.

A última frase sustenta uma verdade inerte no universo. No fim, existe sempre um princípio, pois "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", como Lavoisier dizia.

Um beijinho!

Gotik Raal disse...

Mais um beijinho, Leto

E obrigado pelos teus comentários, sempre amigos da Atenção!

Gotik