Dormira no chão de pedra da velha igreja. No alto, a noite estrelada enchia o espaço aberto séculos atrás por um incêndio.
Durante o sono as roupas haviam-se coberto de musgo, e ervas altas cresciam agora em seu redor; ao lado, as botas suportavam estoicamente um abraço de heras.
Do seu sopro nascera um riacho. Levantou-se e seguiu-o, sacudindo dos ombros o resto daqueles anos numa nuvem de cinzas drapeadas. Procurou o lugar mais vasto das planícies, onde pudesse soltar desenfreadamente a vista na distância, naquele azul egípcio e transparente que se abria agora no horizonte.
Ali estava bem. No seu êxtase temeu adormecer de novo.
Num movimento de compasso ergueu lentamente o arco enquanto a outra mão, de uma só vez, colheu sete flechas longas. Iria lançá-las todas de uma vez. Decerto chegariam mais longe do que a vista alcança, voando sobre as estepes, cruzando depois os oceanos, e evitariam habilmente os cumes das montanhas.
Ficou a vê-las partir, cumprindo-se tudo o que previra. Por longos momentos esticou a vista mais do que o havia feito o arco. Finalmente, apenas podia adivinhar. Tinha a certeza de que nada iria travar as sete flechas de aveleira. Onde acabaria o mundo?
Desceu sobre ele um manto cálido de silêncio.
Não saberia medir o tempo que passou; apenas ouviu um uivo ínfimo e distante atrás de si e logo sete silvos rugiram, gigantes. Teve apenas o tempo de descer os olhos ao chão e de neles guardar uma última memória: um fio de sangue quente tingindo de morto escarlate as sete cabeças de flecha.
*
fotografias: Mikhail Nilov, Lars Mai, Chrys Stam, Nayrod Reyes
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