domingo, 7 de dezembro de 2008

Sarraceniaceae

Na noite, as trevas distinguem-se pela densidade. Do escuro ordinário estas se distinguem.
É um negro que envolve, como o abraço das plantas carnívoras, cheio de silêncios, em que os gritos morrem na boca. Gritos como a fome, como a dor. Gritos como o amor, essa criatura de sanguessugas.
Na noite as trevas aguardam, apenas.
E ao contrário dos grandes carnívoros das estepes, o seu fervor arde sob o manto nocturno, enlouquecido, na imobilidade. Todos os espíritos se acotovelam, estendendo as mão translúcidas, esses ogres do desejo. É um querer funéreo, de gargantas secas; de terras exauridas, sem pousio.
E todas as vítimas então se precipitam; e é seu, e é esse, o desejo da morte. Com os olhos ao alto, e à distância de um único passo, mergulham por fim nos precipícios da alma. São as crateras abertas, na ausência, na tristeza de si.

Depois, acorda-se para descobrir que a manhã nunca chegou a nascer e que as trevas de ontem são os poros da pele de hoje, e que subitamente o tempo é um contínuo transversal, um arco-de-chuva negro; um colosso helénico, feito do frio do bronze, as imensas pernas abertas unindo os portos inseguros e as estrelas.

10 comentários:

Fata Morgana disse...

A mais perfeita descrição de TREVAS que jamais li.
A distinção entre a escuridão e as trevas é uma coisa que sei e sinto muito fácilmente: são tão inconfundíveis! Mas julgo que não saberia pôr essa distinção em palavras tão certas, tão certeiras.

Dark kiss

PS. Voltaste! :)

Frankie disse...

Tenho passado por estes teus domínios, mais vezes do que possas imaginar nos últimos tempos.
A questão é que o tenho feito sempre em silêncio; desde o Nocturno que não me aatrevo a falar.
Aquelas palavras lembram-me muitas noites minhas, muitas noites... Ou talvez uma só; uma noite apenas, que durou dias, ou semanas, ou meses...

Seja como fôr, esta tua descrição das trevas arrancou-me do silêncio.
Soberba, ela.

Subscrevo por inteiro comentário da Morgana; acabaste de defenir o que, para mim, considerava indefenível.

Um beijo e, desta vez, uma vénia.

witch disse...

...

As tuas palavras,
angulosamente belas...
goticamente nuas.


Kisss...

bat_thrash disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
bat_thrash disse...

Descrição perfeita das trevas!
A escuridão pode ser clara, mas as trevas nunca. A escuridão não necessita da luz, pois podemos transitar por ela. As trevas são intransitáveis e quase impermeáveis à luz.
No último post da Morgana fizemos a mesma leitura, quando ela fala de escuridão e não de trevas.

Bat Kiss.
PS:Ah, já vi que respondeste aos meus comentários. Volto depois com calma.

Leto of the Crows - Carina Portugal disse...

Tinha já saudades de tão belos textos e de descrições tão puras quanto esta, que envolve o leitor, qual as trevas envolvem as suas presas incautas.

Lindíssimo, como sempre ^^

Um beijo!

DarkViolet disse...

Na escuridão procura-se o Ser, retalhando com a navalha cada sulco que possa saciar o incompreensível momento do último suspiro, do último fôlego. O acordar é feito para a tortura das cinzas a renascer. Céu disfarçado de raios...

Gotik Raal disse...

Morgana,

Pelo que te leio saberias, sim, aliás não tens tu feito outra coisa nos teus longos anos de escrita.
Apenas acho que escrevemos com lados diferentes do cérebro e do coração.. tu cavalgas nas tuas palavras, enquanto eu sou mais um espectador silente das minhas.

Um beijo,
PS: e é bom estar de regresso.

*
**
*
*

Frankie,

Esta Katedraal está sempre aberta a todas as passagens silenciosas. Quanto ao "Nocturno", se te remeteu para um momento concreto assim tão longo, dir-te-ei que que na sua insignificância o Homem é criatura de forças inusitadas: perde-se um braço, e o braço não é o Homem. Perde-se uma perna, um olho, os dois, e nada disso é o Homem. Perde-se a fala, a visão e o entendimento e ainda assim se é vivo.

Um beijo, e também uma Vénia.

*
**
*
*

Witch,

Sinto realmente a minha escrita como angulosa, ainda que tantas vezes a desejasse mais redonda. Admiro a textura das madeiras e dos couros, da pedra, mas depois só sou capaz do aço, e essa têmpera é em si uma nudez.

Gotik Kiss,

*
**
*
*

Bat Trash,

E tu redefiniste bem a densidade das trevas, essa coisa palpável - com todos os outros sentidos que não o do tacto.
Impenetráveis, mas com uma densidade superior à dos buracos negros, que engolem que engolem toda a energia em seu redor.

Um beijo, Bat

*
**
*
*

Leto,

Obrigado pelas tuas palavras, e tenho agora que passar pelos teus domínios, também, para ler as tuas construções labirínticas, sempre de frescura.

Um beijo,

*
**
*
*

DarkViolet,

Mas, se quando o falcão se alça para além das nuvens mais negras descobrindo de novo o céu mais azul, aquele que se consegue elevar nas trevas para lá raios apenas encontra, das trevas, um novo abraço.

E um abraço, este do
Gotik Raal

R. disse...

(...)


(saudades tuas)

Gotik Raal disse...

Olá Vertigo,

Tenho estado em viagem: seguindo por montes, vales, pântanos e florestas, uma estrela brilhante nestes céus de Dezembro. O tempo é algo muito diferente neste décimo quinto século! Mas sempre de regresso à Katedraal.

Um beijo,
Gotik Raal