Naquela manhã todos os bichos dormiram um pouco mais.
Numa breve existência fóssil aguardavam que o calor do dia, de um sol morno e sereno como um lago, afastasse a fina camada de geada que a noite lhes emprestara, como um manto. Todos os sons eram ainda em silêncio e os sinos e os monges do mosteiro haviam falhado as Laudes.
No horizonte a perder de vista alongava-se a miragem do teu castelo, escura e densa; tomada de uma vibração imperceptível anunciava o teu regresso.
Do alto das minhas muralhas, envolto nas peles da última caçada e as pálpebras tão quietas como as pedras da torre, avistei-te, por fim, a duas léguas.
Trazias a tua floresta, um círculo mágico de raizes altas e ramagens em abraços de cobras - e a floresta caminhava contigo, deslizando sobre as neblinas matinais.
O teu caminho era tortuoso, ainda que a erva se estendesse fresca à tua frente. Cresciam-te rochas aos pés e os regadios transbordavam de exaltação. Estendias os braços e os corvos nasciam-te das mãos. Viravas a cabeça e soltavam-se tornados dos teus cabelos. Fúria imensa.
As duas léguas desdobravam-se, intermináveis, e eu sabia que naquele campo não havia batalha que pudesse vencer ou armaduras para ferir de morte. Todas as minhas lanças se renderiam inúteis.
Por fim, tomada do cansaço alcançaste o passadiço. Acenei-te do alto e os teus lábios esboçaram o sorriso, mas os olhos marejados de penas negras não me puderam então ver. E em silêncio recolheste aos teus quartos.
E apenas nos vimos de novo à ceia, na Primavera seguinte.