domingo, 30 de agosto de 2009

Vita Cartesii res est simplicissima*



Tenho uma relação simples com a vida.
Desejo-a.
Mas não me faz falta.

(* O título pertence a Valéry / Teste)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Voragem



Eu sou a lua do meu sol
vogando eternamente
o breu
em torno do meu ser.

Aqui
onde me encontro é sempre noite;
lá onde sou eu
não é o dia,
é tudo a arder.

Eu sou o mar e a caravela
que resiste ao remoinho,
morte certa.
Mas resistindo eternamente,
Eu sou o poço e a espiral,
a porta aberta.

Eu sou menos do que sou
e a fome é grande,
mas sou tudo o que há na sede
e me alimenta.

domingo, 9 de agosto de 2009

Bósforo

Há um tempo para a pedra se vestir de musgo, para os líquenes cobrirem as árvores e as paredes. É um tempo de heras e galhos retorcidos que navegam o mundo inteiro no espaço de um jardim, de uma clareira. Os pássaros partiram, e todos os insectos fizeram um pacto de imobilidade e de silêncio. Um veado macho aparece, por vezes, como a noite e como a lua; mas não estão ali, na verdade: pertencem a um mundo à parte, de sombras, onde o tempo menor ainda é rei; como o teu corpo morto, esquecido entre as ervas altas à beira do caminho.
Será que existes, pois se ninguém te encontra?

É este o tempo dos calendários, em que me perco do regresso à Catedral. É este o tempo suspenso, milhares de anos para além da tua vida inteira, do pó descendo na luz que varre o transepto como a espada enterrada na pedra.
Quem te arranca do sono que habitas?

E então o tempo adormece - e tudo é vivo outra vez. O caminho faz-se estrada a meus pés, inevitável. Distingo a torre da Catedral nas colinas, como Bósforo entre os teus seios.