quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Hieronymus

O sangue apoderou-se das tuas órbitas. Lentamente ergueste o braço para apontar aquele que escorria dos meus olhos e, na verdade, era desconhecida a temperatura das minhas lágrimas.

Os sinos tocaram sem horas, chocando uns contra os outros; depois, quando o metal se transformou em pedra, o seu toque fez tremer toda a terra.
Os cães, pelo sobre a pele e sobre os ossos, abandonaram as fossas e os covis. Vagueando sem propósito cravaram os seus dentes, um após o outro num tempo de rigor demente e com uma profundidade enraivecida. Os pássaros gritavam nos céus e as gralhas desceram sobre os que na praça olhavam o alto, a todos furando os olhos, como relíquias.
As árvores secaram e os galhos quebraram-se, enegrecidos todos os ossos partidos. Forquilhas e dentes tortos. 
A água inquinou e todo o pão criou bolor, azul da côr do veneno.
Depois vieram as chamas, e incendiaram todas as lembranças e pensamentos do meu crânio e, nas lojas, todos os perfumes arderam.
O espírito do rato era no homem, e neste habitava o vazio. Em tudo havia movimento mas a vida estava, para sempre, ausente.

Tinham-se desatado os nós. Todos os sentidos eram perdidos, e mesmo a idéia de que um dia houvera a ordem nunca, agora, existira.

Depois acordámos, lado a lado, as mãos dadas e olhamo-nos em mudo espanto; mas neste era ainda maior a tristeza do que o silêncio. 
E tínhamos espadas cravadas no coração.